A Afogada
Poema da Taras Shvchenko -- "Utoplena"
1841
Tradução do ucraniano por Mykola Szoma
(Shchoma Mykola Opanasovych)
O vento nos bosques não passeia --
ele, ás noitnhas, repousa;
Em acordando -- calmamente
às ciperáceas pergunta:
"Quem é, quem é que deste lado
pentea a sua trança? Quem é?..
Quem é, quem é que daquele lado
arrotea as suas tranças?..
Quem é, quem é?" -- calmamente
pergunta-soprando.
Finalmente, adormece, até que o céu
tenha as suas bordas avermelhadas...
"Quem é, quem é?" -- perguntareis,
vós meninas curiosas e simpáticas.
Esta, do lado de cá, é a filha,
aquela, do outro lado, é a mãe.
Teria acontecido, há muito tempo,
nas terras da nossa Ucrânia.
Havia uma viuva na aldeia
morando numa casa nova.
Rosto branco, olhos castanhos
e figura de porte alto --
Vestia zhupan; era senhora,
pela frente e pelos lados.
Ainda nova, haja cobiça!
Uma mulher nova,
além de tudo viuva
-- uma horda de cossacos
sempre a seguia e seguia.
Até que, "em-desonra",
uma filha sua nascia.
Deu à luz -- indiferente;
a vizinhança há de alimentar.
Abandonou a filha na aldéia:
Que mãe insciente!..
Alguém pode duvidar?
Que mais deve-se esperar!
Os aldeãos alimentaram a pequena,
mas a viuva, aos domingos,
e aos dias semanais,
divertia-se à beça,
com casados e solteiros
-- bebendo e folgando
até que a má sorte a encontrou.
A viuva se transfomou.
Nem tinha se apercebido
de como tudo acabou.
Os anos da juventude voaram...
Infortúnio, infortúnio!
A mãe murcha e se debilita,
a filha floresce e se habilita.
A menina cresceu...
Hanna, de olhos castanhos,
tal qual um choupo,
num campo florido,
se destacou -- esbelta e alta.
"Não tenho medo de Hannusya!"
-- canta, agora, a triste "matusya";
e os cossacos, como abelhas,
zumbem da Hannusya ao redor.
Em particular, aquele "pescador"
-- animado, de cabelos ondulados,
se desfaz em suspiros
toda vez vez que, à sua frente,
se depara com a Hanna morena.
Percebeu mãezinha velha,
enlouqueceu brava:
"Vejam só, a maltrapilha pobre
-- meninota pés-descalços!
Já crescida tanto, que até namora
com a rapaziada toda...
Não será por isso. Pois que aguarde!
Não mais me respeitas?
Não, minha querida!"
E, medonha, mais enfureceu
-- até os dentes rangeu.
Muitas vezes, uma mãe fica assim!..
Então, onde estará o coração materno?
Coração de mãe?.. Oh!, tristeza,
infortúnio total, meninas!
Mãe, figura esbelta, dócil e maleável;
porém, sem um coração.
Se verga a esbelta figura,
as sobrancelhas desbotam,
sem que o percebam; e as gentes
recordarão rindo os anos passados
-- dirão: "ela é vagabunda!"
Chorava muito a Hannusya
sem saber por que.
Não sabia a razão
porque a sua mãe desvanecia,
porque a condenava e a maldizia
-- do seu rebento "em-desonra",
sempre se queixava.
Torturava-se, angustiava-se,
de nada o sofrimento valia:
como uma planta daninha
a menina Hanna crescia...
Como uma rosa-de-gueldres florescia
sob os orvalhos matutinos dos vales.
Sempre corada,
Hanna banhava-se em lágrimas.
"Enfeitiçada!.. Aguarde, pois!
-- murmurava a mãe enfurecida.
Precciso encontrar um anti-feitiço;
Vou procur uma feiticeira, agora!".
Encontrou a feiticeira e
conseguiu o anti-feitiço que,
ao cair da tarde, beber a filha obrigava.
Nada adiantou...
A mãe mais feroz se mostrava, e
-- a hora e o dia, em que à luz havia dado
a maldita, cada vez mais condenava.
"Sufocante; vamos, filha,
banhar-nos nas águas de um lago".
"Vamos, mamãe".
À beira do lago
Hanna despiu-se todinha,
ficou nua e lançou-se
sobre a sua camisola branca;
O pescador de cabelos ondulados,
de outro lado do lago, lânguido suspira...
Também eu, um dia... Longe de mim!
Que vergonha -- não devo pensar.
Como se criança fosse,
distrai-se com rosa-de-gueldres,
retorcendo as suas formas e
relaxando se aquece ao sol.
A mãe observa a filha e,
de raiva, muda fica;
Muda de cores -- amareleja, ora azulea;
Medonha, de pés descalços,
a espuma flui da boca; É quase louca,
tenta arrancar as suas tranças.
Repentinamente, joga-se sobre a filha
e, em suas tranças, se embrenhou.
"Mamãe! mamãe! O que fazes?"
Um maroiço de vagas se encapelou,
ebuliu, um gemido se espalhou --
e a onda, a ambas, abraçou.
O pescador de cabelos ondulados,
com todas as suas forças,
nas águas se lançou; nadou e nadou
-- as águas azuis ao meio rasgou,
Ainda nadou, nadou... Se aproximou!
Mergulhou, emergiu --
e, entre os seus braços,
à beira do lago, o corpo de Hanna deitou.
Com muito trabalho, as tranças macias,
das mãos congeladas da mãe, desembaraçou.
"Coração meu! Sorte minha!
Descerrem-se os olhos castanhos!
Descrtinem a vista e sorriam!
Não quereis!.. Não quereis!.."
Chora e lamenta, ao lado da Hanna;
observando o seu corpo, a beija.
Os olhos mortos estão. "Veja!..
Nada escuta, ela dormiu para sempre!"
Deitada sobre a areia branca,
mãos estendidas -- para os lados; junto a ela
a sua cruel mãezinha quase selvagem:
De olhos esbugalhados,
atormentados pelo sofrer da vida,
com as mãos, envelecidas e cansadas,
entrincheiradas na areia amarelada.
Chorou muito o pescador:
"Sem familiares no mundo.
Quem não teve sorte neste mundo
-- terá vida plena nas águas da morte!"
Levantou a Hanna, beijou o seu rosto...
As ondas gemeram de novo --
abriram-se as vagas e se fecharam.
Nem sinal atrás de si deixaram...
Desde então, o límpido lago
cobriu-se de mato -- carriço pacato;
Ninguém nele mais banhou-se
-- as meninas, ao longe, dele passa;
Se, por acaso, alguma coisa avistam,
com um sinal da cruz se despistam --
evocando o nome da maldição...
Tudo é triste e soturno ao redor do lago...
À noitinha, meninada ouça:
emerge das águas a mãe brava e
senta-se do outro lado;
Muda de cores -- amareleja, ora azulea;
Medonha, de pés descalços,
a espuma flui da boca.
Ela sempre está vestida de camisola molhada.
Calma olha para este lado
É quase louca, tenta arrancar as suas tranças.
Vez em quando, as ondas azuladas da lagoa,
trazem à tona o corpo belo da menina Hanna.
Totalmente nua, ele estremece;
por instantes, senta nas areias brancas...
Depois, desparece.
O pescador vem nadando
trazendo consigo o verde das águas
para colocar sobre a camisola branca
-- aplacando as suas mágoas.
Então beija os olhos dela --
e, também, o sabor da água.
Se despede, vai embora;
com vergonha de si próprio,
por olhar um corpo nu.
Ninguém sabe o que se passa
nas noites serenas do bosque.
Somente os ventos, com os carriços,
murmuram baixinho: "Quem é, quem é,
quem é que senta-se triste nas águas
e, desembaraça as longas tranças?"
03/07/2009
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