Taras H. Shevchenko
1842 — St. Petersburg
Hamaliya (ou Gamaliya)
Tradução de Mykola Szoma
(Shchoma Mykola Opanasovych)
“Oh!, não há.
Não há ventos nem vagas montantes
da nossa Ucrânia!
Haverá Conselho se aconselhando –
de como invadir os trucos?
Aqui, no estrangeiro, de nada sabemos.
Ventos soprem, lá dos Grandes Prados,
mares atravessem;
Venham secar nossos olhos
– desataviando as nossas algemas,
dissipando os pesares todos.
Dos mares azuis, as ondas se encapelem,
vagalhões levantem por sob os baidaky,
que transportam os kozaky
– chapeus cujos se avistam.
Todos estão nos seguindo…
Oh, Deus nosso! Imploramos:
Mesmo que não nos seguindo,
Tire os todos da Ucrânia…
Suas glórias ouviremos — glória dos kozaky;
ouviremos, depois o mundo deixaremos.”
Assim cantavam os kozaky em Skutari,
lastimando a sorte, choravam queixumes.
Conciliar-se com a angústia planejavam…
De Bósforo as bases trepidaram –
nada assim tinha-se antes ouvido:
o lamento cossaco se estendeu e, a pele escura
– como um touro de dor estremeceu.
Enormes vagas se alevantaram –
e, projetando-se lançaram as suas fúrias
sobre as águas azuladas do grande mar.
O mar falou do Bósforo a lingua mater –
ecoando até o Lyman e do Lyman a Dnipro.
A lingua entristecida nas ondas se espalhou…
Riu gargalhadas o nosso avô forçudo, que
até espuma nos seus bigodes se formou.
“Estás domindo? Estás ouvindo! Irmão Luzhe?
“Irmã Khortytsya?” — Zumbiu
Khortytsya aos Grandes Prados: Estou ouvindo, sim!”
As águas do Dnipro se cobriram de baidaky
e as canções ecoaram dos kozaky:
“A turca, do outro lado,
mora em casa num tablado.
Ôla, ula! Se revolte o grande mar.
Acima das rochas, que subam as ondas!
Queremos visita fazer.
A turca tem, em seus bolsos,
dinheiro — moedas de prata.
Não se trata de moedas;
dar cabo queremos, queimar tudo
– libertar nossos irmãos iremos…
Com a turca, janiçaros
e baxás em fila…
Ôla, ula! Inimigos!
Nós não somos hesitantes!
Fazemos acertos, em poucos instantes!”
Navegam tranquilos, canções entoando;
do vento os sussurros o mar atento escuta.
Á frente da esquadra, Hamaliya
na condução, o seu baidaky, timoneia.
O coração já desfalece:
o mar encapelado enlouqueceu.
Não lhes fará medo!
Por trás das vagas — quase montanhas,
cada uma das naves se escondeu.
Adormecida a Bizâncio tranquila com seus serralhos,
também Üsküdar se acalmou; mas Bósforo não dorme
– como se fosse endoidecido, ora gemendo, uivando ora:
Queira, talvez, ele do sono, a Bizâncio sua acordar.
“Não, não a acorde. Terás desgraça provocado!
A tua costa esbranquiçada na areia será atolada.
No lodo ocultarei os teus favores!..
– o mar continua encapelado. –
Não sabes tu quais os motivos que me levam ao sultanato?”
Assim, o mar lamuriante, se revoltava.
(Adoro os valentes eslavos de poupa na testa).
O velho Bósforo aquietou-se. A turca sonolenta repousava.
Em seu harém, o sultão ocioso e futil se espreguiçava.
Em Üsküdar, somente, de olhos abertos, os kozaky não dormem
– como se vigilantes fossem de um velório. Aguardam alguma ordem?
Cada qual, segundo a sua fé, em súplicas se revesam.
As ondas do mar bravio, de um lado a outro, hispidam.
“Ó, Deus amado da Ucrânia!
Não permita que pereçamos no estrangeiro
– livres kozaky, grilhões não suportamos!..
Vergonha aqui nos mancharia; também, ali
– se de tumbas estrangeiras nos levantassemos,
se diante do Juizo Teu nos apresentassemos –
de mãos com ferro agrilhoadas. Algemas não!..”
“Massacrai, exterminai!
Amordaçai os infieis-buçurmanos!” –
Ouve-se gritos atrás do muros. Serão de quem?
Hamaliya, do que se trata? O coração esmorece:
Üsküdar de todo enlouquece!
“Massacrai, exterminai!” — lá do alto da fortaleza
o Hamaliya verberou.
Canhões, em trovoada, sobre Üsküdar
– o inimigo geme, de raiva se desfaz como fumaça;
como se fora uma montanha insuperável e invencível
dos kozaky a força destruidora e destemida avança.
– Por fim, renderam-se os janízaros soldados,
rolando sós, abandonados pelos campos.
Hamaliya sobre a Üsküdar –
como se pelo inferno passeasse,
ele próprio masmorras rebenta…
“Voem, pássaros cinzentos,
ao quinhão da pátria!”
Agitaram-se os falcoeiros,
já há muito não se ouvia –
dos cristãos a lingua nobre.
Também, a noite agitou-se:
jamais tinha visto tanto festim dos kozaky.
Não! Não se apavorem, vejam –
este é o banquete dos kozaky…
Calmaria, como deve ser comum aos dias.
O festejo tomou conta. Todos se calmaram.
Não são facínoras, nem horda de malvados,
que, ao lado de Hamaliya, banqueteiam e,
silentes, de toucinho os petiscos, saboreiam.
Não é apenas uma simples churrascada…
“Iluminemos!”
Que o clarão chegue às nuvens
refletindo os mastros das nossas barcaças
– que as chamas devorem
os alabastros da Üsküdar!
A Bizâncio despertou do sono.
Arregalou os seus olhos…
Rangendo os dentes, nadou até os seus
– pensando em como podê-los ajudar…
Rugiu a feroz Bizâncio
– estendendo as suas mãos: até da continental costa navegou;
e alcançou. Ululou mais uma vez!.. Se levantou –
de pés — ereta; no sangue dos golpes de espada naufragou.
Üsküdar em chamas flambou.
Parecia que o inferno se inflamou.
Rios de sangue se formaram.
O Bósforo as suas ondas alevantou.
Como se um bando de pássaros negros,
de um viveiro florestal,
por entre as chamas e fumaça,
deslocam-se os heróis kozaky,
na sua coragem vitoriosa e infernal.
Deles ninguém escapa!
O peito seu, qualquer fogo acata:
destroem muros, e tudo o que se vê.
Recolhem ouro, e toda a prata;
em seus chapeus de longa data,
recolhem a contento em seus baidaky.
Üsküdar arde em chamas…
Chegou ao fim a belígera empreitada.
Reuniram-se, os meninos da vitória,
cachimbos — todos acenderam –
valendo-se da última brasa;
os seus baidaky balouçaram.
Nos horizontes do mar azul,
por entre os vagalhões de ondas,
se perderam… Oh!, não!
Sobre as ondas encapeladas
eles se divertem. E cantam:
“Hetmã nosso — Hamaliya,
otomano valoroso:
reuniu homens valentes e
divertir-se foi pelos mares;
buscar glórias e vitórias –
libertar seus pares…
Das mãos inimigas-turcas
resgatar os cristãos e
restabelecer os valores!
Hamaliya foi até a Üsküdar.
Ali viu os kozaky a se lamentar
– aguardando a morte e a chorar.
“Irmãos, queremos a vida.
A vida vamos conquistar!
Beberemos nosso vinho e
todos os janiçaros iremos aniquilar.
As nossas casernas — kuryni,
de tapetes iremos enfeitar!”
Sairam, pelas searas, a ceifar o trigo.
Ceifaram, ceifaram — em feixes deitaram;
depois, os kozaky, em uníssono cantaram:
“Glória Hamaliya tenhas!
– Que o mundo todo veja!
– Que todo o mundo veja!
Que a Ucrânia toda saiba,
que tu não deixaste
– aos irmãos kozaky,
perecer em terras estranhas!”
Ao som dos kozaky, a esquadra navega.
Fechando o comboio, segue a nau do Hamaliya:
como se um condor de filhinhos seus cuidasse.
De Dardanelos o vento sopra,
a Bizâncio acomodou-se:
Parece que tem medo de um ataque Monge
que encendeie, de novo, a Galata nobre. Ou,
talvez, possa evocar os atos de Ivan Pidkova.
Corta a esquadra as fortes vagas,
vencendo as ondas –
que ao sol se avermelham.
Sopra a brisa, suave e teimosa,
trazendo do mar um aroma.
Da vitória, não seria uma prosa?
Hamaliya, sopra o vento…
Eis que o mar nosso!..
Esconderam-se por trás das ondas –
ondas avermelhadas, que em nontes se ergueram.
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Hamaliya — (Gamaliya) Ao longo da história da Ucrânia, entre os comandantes e oficiais dos kozaky, faz-se referência a líderes de sobrenome “Hamaliya”; todavia, não se tem notícia de nenhum deles que tenha feito alguma campanha marítima. O poema Hamaliya narra a campanha dos zaporozhtsi contra Estambul (ex-Bizâncio ou Constantinópolis)
Grandes Prados – (Velykyi Luh) grande depressão (baixada) à esquerda do rio Dnipro, onde os kozaky da Zaporizhs’ka Sich tinham se estabelecido
baidaky – barcos leves militares, usados pelos kozaky de Zaporozhzhya nas suas campanhas militares marítimas, séc. XVI - XVIII
Skutari – (Üsküdar) subúrbio de Estambul, estreito de Bósforo na Àsia Menor, onde estava o palácio do Sultão e várias grandes mesquitas. No séc. XVII (anos de 1615, 1621, 1624) aonteceram ali várias incursões dos kozaky
nosso avô forçudo — refere-se ao rio Dnipro
Luzhe — refere-se a Velykyi Luh (”Luzhe” — caso vocativo de “Luh” — caso nominativo)
Khortytsya — nome de uma ilha no rio Dnipro
buçurmanos — os que acreditam em Alá (Allha, ar muslin, muslim)
ataque Monge — “monge” aqui refere-se ao hetmã Sahaidachny, que morreu num monastério, ferido na batalha de Khotin (1622). Nunca foi monge.
Galata — parte de Estambul, destruida pelos kozaky em 1621. Tomou parte nesta batalha o hetmã Sahaidachny.
03/24/2009
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