Prychynna
Taras H. Shevchenko
1837 St. Petersburg
Tradução de Mykola Szoma
(Shchoma Mykola Opanasovych)
Gemia furioso o Dnieper largo,
uivantes ventos se agitavam ---
vergando os ramos dos salguiros,
enormes vagas de ndas levantavam.
Prateada a lua naquele instante
por trás das nuvens se escondia,
como se fora uma pequena nave,
por sobre as ondas, se embalava.
Galos ainda não tinham cantado,
em parte alguma havia gente inda.
Só corujas nos bosques chirriavam
e freixos, por vezes, crepitavam.
Num dia assim, ao pé do monte,
juntinho àquele bosque,
cuja imagem flutua sobre as águas,
alguma coisa --- branco, vagueia.
Pode ser uma sereia
a sua mãe buscando?
Ou, à espera do amado,
não a ninfa vagando
--- mas uma linda donzela,
que não sabe (pois é louca)
o que está fazendo.
Quiromante assim dissera,
para que sofresse menos,
pela meia-noite ali estivesse
--- à espera do seu amado,
o cossaco, que se foi no ano.
Prometeu voltar um dia;
mas, talvez tenha morrido
em terras longes, espartano.
Não com seda leve
foram seus olhos cobertos,
nem lavado foi seu rosto
com lágrimas puras:
Falcão sugou os seus olhos,
em terra dos outros,
devoraram o seu corpo
os lobos ferozes,
--- esta foi a sua sorte!
Em vão a espera ---
ele não mais volta...
Não fará carícias nela,
não desfará trança longa sua,
jamais atará o lenço nela.
Não dormirá com amada
--- numa tuma foi sepultado!
Assim foi o fado dela... Oh, meu Deus amado!
Por que tanto a castigas, ela é tão jovem?
Porque louca --- tem se apaixonado
por aqueles olhos de cossaco?
Que a perdoe!.. A quem amar deveria?
Sem pai e sem quem lhe deu a vida ---
órfã, só... Como um pássaro em longes terras.
Dê-lhe a sorte, muda-lhe o fado, --- ela é jovem,
para que não seja, por estranhos, zombado.
É culpada a rola por ter se entregue ao pombo?
Ou culpado foi o pombo, pelo falcão devorado?..
Se aflige e murmura, entendiada, pelo mundo,
voando de um lado a outro, procurando o que?
A feliz pombinha voa livre pelas alturas,
chegando até aos páramos divinos --- indagando
por onde anda o seu amado. E ela o procurando.
Quem mais lhe dizer algo poderia?
E quem, a seu respeito, alguma coisa saberia.
Em que plagas dormida o seu querido:
na escuridão de um bosque cerrado, ou
nas águas velozes do Danúbio, sacia o seu cavalo.
Poerá estar com outra. Partindo seu amor com ela.
Então, já esqueceu a sua morena, --- justo ela?
Se tivesse de uma águia as asas,
no além do mar azul, o seu amado encontraria.
Se vivo estivesse, amá-lo-ia, --- a outra, sufocaria;
se já morto estivesse, ao lado dele na tumba cairia.
Um coração não ama, para com outros partilhar ---
não será este o seu desejo.
Porém, é Deus que assim o determina.
Nem mais viver, o coração almeja
e, muito menos, padecer de tristeza.
"Sofra, sofra", --- diz o pensamento.
Meu Deus! Meu Deus! Por que o padecer.
Assim é a sua sorte, assim é o fado dela!
Vagando ela calada, perambula pelas encostas.
O Dnieper largo não se alvoroça,
embora os ventos quebrem as negras nuvens...
Por fim, cessaram as ventanias ---
deitaram-se junto às águas azuis dos mares,
para doar-se a um repouso e ver a lua emergir.
Por sobre as águas, por sobre os bosques,
a calmaria se estendeu. E tudo ficou mudo.
E eis que, da brusquidão do Dnieper largo,
nas ondas emergiram pequeninos infantes:
"Aquecer-nos queremos! --- vozes bradaram,
--- os ceus já estão no ocaso!"
(Estão todos desnudos;
parecem carriços --- são tranças,
de meninas cabelos cacheados).
"Estarão voces todas aqui? ---
ouviu-se uma voz de mãe . ---
"A hora chegou do jantar, todas p'ra casa!"
"Brincaremos ainda por mais tempo e
cantaremos mais uma nossa canção:
Oh! Ah!,
De colmo a nossa vida e o alento!
Quando a mãe deu-me a vida
--- deixou-me sem batismo...
Ó luar, vem encantar-nos!
Vem jantar conosco!..
Temos um cossaco entre os juncos,
entre os caniços e, um anel de prata,
que reflete o espelho d'água
por sobre a copa da mata...
Um jovem moreno, de olhos castanhos,
encontramos ontem entre os arvoredos.
Ilumine mais --- Oh, prateada lua!
todas as campinas,
para que possamos divertir-nos mais
--- nós somos meninas!
Enquanto feiticeiras-corujas voam,
e os galos não cantaram inda,
ilumine nossos campos...
Para que possamos ver quem por ali anda:
quem, por entre aqueles carvalhos,
a sua vida demanda!
Oh! Ah!,
De colmo a nossa vida e o alento!
Quando a mãe deu-me a vida
--- deixou-me sem batismo..."
As ínfidas sem batismo
às gargalhadas se lançaram...
Do bosque, em resposta,
surdos ruidos e zumbidos,
pelos espaços, se propalaram.
Contritas as ínfidas não batisadas,
perceberam --- algo perpassando
os troncos arbóreos até ao topo...
Era aquela menina que vagueava e,
sonâmbula perdia-se no bosque:
Foi este o sortilégio, que
a quiromante vaticinara...
Bem no topo de um extremo galho,
de pé ela postou-se... Olhou à sua volta
e, como uma pedra, ao chão lançou-se!
Mas, as sereias suas amigas, silentes,
em seus braços a acolheram. Afagaram
o seu rosto meigo. E se embeveceram!..
Os terceiros galos já tinham cantado.
As sereias, cumprindo a tarefa sua,
mergulharam nas águas do Dnieper.
Pelos prados ecoou
um canoro som
de um coral diferenciado:
o gorjeio de cotovia, em seu voo vertical;
o rabilongo cuculando, em dissílabo tonal;
o rouxinol trinando, num gorjeio sem igual!
Lá, de tras dos cômoros e dos montes,
avermelhados os horizontes se avistam
e um lavrador --- ao som desta cantoria,
corta a terra, revirando-a com um arado.
Atrás daqueles bosques,
onde derrotados senhores-polacos eram,
sobre as águas, sombras se alevantam...
Entre as sombras, os kurhany azulecidos,
como outeiros, envelhecidos despontam!..
Murmuraram os folhames, lá no bosque
--- cochicharam, entre si, os sarmentos.
Junto à estrada castigada, na beirada
--- debaixo da sombra de um carvalho,
dorme a menina... Só e abandonada!..
Dorme ela. Não escuta os cantares ---
aquele canto da cotovia, do rabilongo,
do rouxinol. --- Para ela, nada diriam...
Entre os arvoredos, de um carvalho,
aparece de saida um cossaco.
Vem montando um cavalo murzelo
--- que quase não anda;
de tão lento de cansado,
que indolente ele pisa.
"Exausto te sentes, companheiro!
Breve terás um repouso:
Não distante está a choupana
--- onde a menina, te espera;
haverá de abrir-te a porta...
Talvez, já tenha aberto ---
não para mim, mas para outro...
Vamos presto, meu cavalo amorado.
Pressa tenho de 'starmos em casa!.."
De tanto cansado, nem mais anda
--- o cavalo só tropeça.
O coração do cossaco dores snte
--- até parece que, dentro dele,
o veneno de uma serpente cresce.
"Eis o carvalho de copa frondosa...
Será que é ela! Oh, meu Deus... é ela!
Adormeceu, apoiando-se na janela ---
Com a mão na aldrava,
ela por mim esperava!.."
Pulou do cavalo --- correu...
"Meu Deus, oh!.. Deus meu!"
Abraçando a menina, gritou...
Não mais é possil.
Tudo acabou.
"Por que separar-nos, agora?
Que sorte ingrata,
a pregar-nos este fim!.."
Soltou gargalhadas, qual louco
--- e cabeçadas de desgosto
contra os carvalhos desferiu!
Vão para os campos, ceifar os trigos,
do vilarejo as meninas. --- Cantam alegres;
colhendo as flores pelas searas. --- Assim:
E foi aqui que, contra os tártaros,
bravos irmãos nossos lutaram...
E foi aqui que, em despedida,
mães se separavam de seus filhos.
E mais além, à sombra de um carvalho
--- pousa triste um cavalo extenuado;
junto a ele, um cossaco airoso
--- entre os braços fortes,
acaricia o seu amor mimoso.
Curiosas as meninas
(a verdade seja dita)
sorrateiras se fizeram;
ao chegarem
--- bem mais --- perto;
do que viram, se frustraram.
--- Do cossaco era o cadáver!
De virada, no pé deram.
Nunca mais ali voltaram.
Reuniam-se os casais
--- p'ra enchugar lágrimas doridas;
reuniam-se os amigos
--- para cavar sepulturas;
Chegaram os padres com as cruzes
--- para os sinos dos finados vibrar.
Tudo foi, segundo as normas;
--- como manda o figurino. ---
Junto à estrada, duas tumbas.
Que os dois em paz repousem!
Que ninguém mais lhes pergunte
por que foram mortos?
Sobre a tumba do cossaco ---
um ácer, um bordo,
e um garboso abeto;
sobre a tumba dela ---
uma rosa-de-gueldres à sua cabeça.
Quer cucar (o cuco)
sobre as sepulturas;
também quer o rouxinol
trinar, --- só às noites;
enquanto a lua não empalidece.
Até que a mãe-d'água --- a sereia,
nas águas azuis do Dnieper se aqueça.
04/03/2009
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